Várias vezes, a noite, eu escuto pessoas gritando. Talvez eu esteja escutando o que antes não percebia, quando era você quem gritava.
Naquelas noites que te devorei, com garfo e faca, não tinha intenção de marcar seu corpo. Apenas de matar minha fome. Nos dias que escolhi cortar alguns pedaços seus sem avisar, não tinha a intenção de te prejudicar, apenas queria ter algumas partes e pedaços pra mim. Quando bebi seu sangue em taça de cristal, não queria o vinho, mas o sabor. E quando, enquanto dormia, eu roubei seus olhos, não foi para usá-los, mas sim para tê-los.
Ontem, quando saía de casa, te vi. Estava aberta, rasgada, porém diferente de todos estes meses, não sangrava mais e continuava a viver. Ainda que sem todos os pedaços que retirei, chamava a atenção dos outros e conseguia amor, carinho. Ontem, quando saia de casa, te vi e me surpreendi ao ponto de te desejar. Outra vez. Bastava um sinal meu, um aviso... um olhar. Mas não. Não posso chamar meu banquete toda vez que faz fome e então, decidi conter.
Hoje, quando acordei, pude sentir pela primeira vez o amor passando pelos meus poros e circulando com meu sangue, enconstando nas veias e saindo pela ponta dos fios do meu cabelo. Quando me levantei, me deparei de cara com seus retalhos. Seus olhos me chamaram atenção ali, caídos... Os seus retalhos estão velhos e podres, mas o seus olhos ainda me veem.
Amanhã, quando você sair de casa, a cicatriz vai ser menor do que hoje. Em pouco tempo, ninguém mais vai ver tuas marcas e cortes. Os teus olhos, eu olhei ontem a noite inteira, era amor e hoje eu sei.
Amanhã mesmo, entrego tudo. E dói entregar porque sei que não vai recusar, mas quem sou eu pra falar de dor. Amanhã, na caixa de correios, os teus olhos, o garfo e faca.
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